por Elton Rodrigues
"O desdobramento de eventos no ciclo de vida de um organismo exibe uma admirável regularidade e ordem, sem comparação com qualquer coisa que encontramos na matéria inanimada".
Schrödinger [1]
Léon Denis, no capítulo Provas Experimentais, de O Porquê da Vida, utiliza, em grande medida, o argumento de autoridade para defender a opinião de que há espíritos e que esses podem interagir com os ditos vivos. O mestre de Tours conta [2] com nomes como Crookes, Wallace, Warley, Myers, Oliver Lodge, Zöllner e muitos outras distintas figuras que passaram da incredulidade para a defesa da tese que reconhece os fenômenos espirituais. O presente texto reflete sobre a utilização desse tipo de estratégia como forma de divulgação das teses espíritas.
No argumento de autoridade, a autoridade em questão não é alguém que tem o poder de mandar, mas simplesmente um especialista de reconhecido mérito em dado campo de conhecimento. Walton (2012) afirma que
“O ataque ad hominem é o uso negativo de argumentos pessoais para minar ou destruir a credibilidade de alguém numa discussão crítica. Há um tipo oposto de tática, o argumentum ad verecundiam, que usa a opinião de uma autoridade respeitada ou de um especialista no assunto como um argumento pessoal positivo para sustentar os próprios argumentos. A crítica ad hominem tacha a pessoa de fonte inconfiável, enquanto a ad verecundiam recorre a alguém que seja especialmente confiável e reconhecido como fonte de esclarecimento”. [3]
Talvez a primeira pergunta que deve ser feita para avaliar um argumento de autoridade é se as fontes estão informadas, ou se são capazes de avaliar o assunto tratado. Eu posso ter um famoso médium psicógrafo com doutorado em história. Será que essa pessoa, apenas por ser psicógrafo e ter doutorado – em história – é um bom nome para avaliar algum texto sobre física de partículas? Embora seja comum citar celebridades para promover uma ideia, é um uso falacioso de argumento de autoridade.
Além disso, antes de acreditar em qualquer especialista, compare com outras fontes e veja se elas concordam em grande medida. Não faz sentido usar como autoridade uma fonte quando existem centenas de outras que discordam completamente. E diante de duas fontes contraditórias, não faz sentido usar a autoridade de uma ou outra para estabelecer uma conclusão. Nesse caso, o adequado é fazer uma pesquisa ainda mais ampla e verificar se pelo menos a maioria das pesquisas concorda com um dos lados do debate. Caso persista desacordo completo, o correto é reconhecer que não há informação suficiente para adotar um lado em detrimento de outro. E esse é um ponto extremamente importante para os nossos dias.
Diferentemente da prática de Denis, que utilizava a soma de seus resultados com as conclusões dos pesquisadores citados, hoje, de uma forma geral, o movimento espírita utiliza-se quase que por completo das conclusões de pesquisadores do passado, principalmente do século XIX e do início do século XX. Deixando de lado, de forma lamentável, a prática experimental em torno dos fenômenos espirituais.
Os argumentos ad hominem e ad verecundiam, sob certos aspectos, são semelhantes. Os dois recorrem a fontes pessoais de opinião, concentrando-se na posição interna ou na credibilidade de uma pessoa como fonte confiável de conhecimento. A esses dois tipos de argumentação pode-se contrapor o apelo ao conhecimento externo ou objetivo, que vem de evidências científicas como as observações experimentais. Porém, se não houver essa prática experimental na realidade espírita, o resultado será a estagnação, pois os indivíduos só serão capazes de seguir o que o coordenador de determinada tarefa diz; o que esse ou aquele médium da casa informa; ou de acreditar, cegamente, nas orientações do palestrante, do médium A ou B, só porque são famosos. E uma outra consequência funesta dessa postura é o reconhecimento de qualquer mensagem mediúnica como legítima e boa apenas pela assinatura no papel.
Por fim, o problema mais grave que pode ocorrer, quando ficamos restritos ao argumento de autoridade, é a finalização de qualquer debate. Diz Walton (2012):
“O apelo à opinião de um perito pode ser uma forma legítima de obter esclarecimentos e orientações que sustentem uma conclusão conjectural a respeito de uma questão ou problema quando não há disponibilidade de conhecimento objetivo ou quando este é inconclusivo. No entanto, argumentos baseados na opinião de uma autoridade no assunto podem se tornar questionáveis ou falaciosos quando são usados como tática para dominar ou calar o oponente, apelando à reverência ou ao respeito exagerado por essa autoridade”. [4]
Hoje, infelizmente, utilizam-se de figuras como Denis, Kardec, Delanne e muitos outros, como forma de cercear qualquer tentativa de avanço teórico-prático acerca dos fenômenos espirituais. O curioso é que essas mesmas figuras buscavam acompanhar o avanço científico, a análise crítica e praticavam a experimentação.
Que o argumento de autoridade utilizado tão bem por Denis, não seja a única forma de entendimento e divulgação das teses espíritas.
Referências
[1] Schrödinger, Erwin. (1997). O que é vida? O aspecto físico da célula viva. São Paulo: UNESP, p. 88.
[2] Denis, Léon. (2018). O porquê da vida. Rio de Janeiro: CELD, p. 79-80.
[3] Walton, Douglas. (2012). Lógica Informal: manual de argumentação crítica. São Paulo: WMF Martins Fontes, p. 241
[4] Ibid., p. 242
Commentaires